O ano de 2019 está se consolidando como um dos melhores nos últimos tempos em relação a lançamentos no cinema. Temos exemplos de ótimas produções, e ao estrear “Coringa” que é excelente e perturbador, temos um bônus, a quebra de um paradigma em relação à editora DC Comics, que enfim nos oferta um filme realmente memorável nos últimos tempos.

Ao apostar suas fichas no “Coringa“, a Warner Bros entrega uma obra de qualidade que certamente influenciará em futuras adaptações de quadrinhos, seja da Marvel ou da própria DC. A última vez que uma adaptação de HQ mexeu comigo foi com o filme “Logan” (2017), e antes que você pergunte sobre os dois últimos d’Os Vingadores – “Guerra Infinita” (2018) e “Ultimato” (2019) –, acho ambos sensacionais, mas nas produções do ‘velho’ Wolverine e agora com o Coringa, a vibe opera em outra frequência, pois a cada minuto de projeção você testemunha algo invadindo a mente, futricando nos sentimentos mais obscuros e voláteis do espectador.

O diretor Todd Phillips e o ator Robert De Niro que tem uma participação importante na história

Uma das grandes sacadas do diretor Todd Phillips, que ficou conhecido pela comédia “Se Beber, Não Case!” (2009), foi fazer com que a mistura heterogênea de comédia e caos se tornasse homogênea sem causar estranheza. A plateia fica contagiada e alerta, tendo noção de cada uma das injustiças, mas sem torcer pelo Coringa, a bem da verdade não estamos falando sequer de um anti-herói, e sim de um vilão cruel.

O Coringa

Para este trabalho exemplar, Phillips trabalhou com algumas influências, como a clássica graphic novel Piada Mortal, publicada pela primeira vez em 1988, e as produções “Taxi Driver” (1976) e “O Rei da Comédia” (1983), ambas dirigidas por Martin Scorcese, e podemos ver muitos fragmentos destes na tela, como a jornada da transformação do personagem, a violência e a estética suja e rude da cidade, apoiada por uma paleta de cores entranhada na cor verde e a presença constante de sujeira nas ruas.

O roteiro escrito por Phillips e Scott Silver tem um detalhe espetacular, a humanização do Coringa. Ele é uma pessoa normal sofrendo com problemas do cotidiano que podem alcançar qualquer um de nós, funcionando como um gatilho e criando a lenda. A última vez que vi uma processo tão interessante quanto este, foi quando Frank Miller retratou a volta de Batman sofrendo com a velhice na graphic novel O Cavaleiro das Trevas, publicada em 1986.

Joaquim Phoenix

Ao passo em que o longa avança você acompanha a vida miserável de Arthur Fleck, retratado de forma impressionante por Joaquin Phoenix, que merece vários prêmios por este papel ­– inclusive o prêmio máximo conhecido por Oscar –, afinal, ele nos entrega uma aula incrível de interpretação. O ator destrincha e externa cada dor e mazelas na vida de Fleck, nos deixando sem chão a cada fotograma, fazendo com que nos compadeçamos e retorcendo na cadeira do cinema a cada uma das moléstias infligidas ao protagonista, sejam elas de cunho médico ou social, graças a uma cidade de Gotham que vai se desmanchando aos poucos por uma política que não privilegia a inclusão e sofre por uma distribuição de renda desigual, fazendo com que a revolução seja inevitável.

Um dos posters mais legais de divulgação do longa

Graças a esses elementos, infelizmente já estão polarizando o longa, envolvendo-o em uma batalha de discussões políticas, utilizando como base a violência ‘gratuita’. Até acredito que a obra possa influenciar mentes conturbadas, principalmente nos Estados Unidos, mas se for para discutir sobre o “Coringa” fora da alçada artística, é necessário fazer de uma forma mais abrangente, tal como o modo operandi dos políticos que sufoca, deprecia e aniquila os que mais precisam.

Do início dos créditos ao fim da projeção, “Coringa” mantém as mãos na garganta do espectador, sufocando para entreter, fazer pensar e provocar a discussão. A produção é épica, uma daquelas que já entrou com louvor para o rol de grandes filmes. Totalmente Na Rota, é um longa nota 10!

Trailer