
Por Aysla de Oliveira
O Agente Secreto é um drama/thriller político dirigido por Kleber Mendonça Filho e estrelado por Wagner Moura, narra a história de um professor fugitivo que é vigiado no Recife de 1977, em plena ditadura militar. O filme teve uma estreia triunfal no Festival de Cannes 2025, conquistando os prêmios de Melhor Direção para Kleber Mendonça Filho e Melhor Ator para Wagner Moura.
Essa vitória histórica impulsionou a obra a ser escolhida para representar o Brasil na disputa por Melhor Filme Internacional no Oscar 2026. Suas projeções de premiação são altas: é um forte candidato à indicação em Melhor Filme Internacional no Oscar, com expectativa também para indicações em Melhor Direção e Melhor Ator.
No Globo de Ouro, há potencial para indicações a Melhor Filme Estrangeiro e, notavelmente, a Melhor Ator em Filme Dramático. O sucesso de crítica e público em Cannes consolidou “O Agente Secreto” como o principal trunfo do Brasil na temporada internacional de premiações de 2026.
Também estrelam o elenco Maria Fernanda Cândido, Gabriel Leone, Carlos Francisco, Hermila Guedes, Alice Carvalho, Udo Kier, Isabél Zuaa, Robério Diógenes, Tânia Maria e Laura Lufési.
SINOPSE DE O AGENTE SECRETO
Ambientado na Recife de 1977, sob a sombra opressiva da Ditadura Militar, o filme mergulha na jornada de Marcelo (Wagner Moura). Especialista em tecnologia, ele foge de São Paulo e retorna à sua cidade natal, buscando um refúgio desesperado contra as acusações de atividades subversivas. Contudo, a paz que procura se desfaz rapidamente. Ao invés de segurança, Marcelo é engolido por uma crescente atmosfera de paranoia e conspiração política. Ele logo descobre estar sob vigilância intensa dos próprios vizinhos, arrastado inevitavelmente para o coração de uma perigosa rede de espionagem.

TRAILER OFICIAL
A HISTÓRIA DE MARCELO E O CONTEXTO HISTÓRICO
O filme é uma obra de ficção que se apoia profundamente em um contexto histórico e social real para criar seu universo de paranoia e suspense. A história que envolve Marcelo é uma obra de ficção completa, desvinculada de qualquer base real específica.
A Trama Central, moldada como um thriller político de forte intensidade, com a perseguição e a paranoia vividas por Marcelo, utiliza deliberadamente recursos de gênero como o neo-noir e o suspense. Esses elementos não visam transcrever um caso de espionagem específico ocorrido na realidade, mas sim servir como uma metáfora potente para ilustrar e evocar o clima histórico de autoritarismo e vigilância na sociedade.
Conforme definido pelo próprio diretor, Kleber Mendonça Filho, o filme é concebido como uma “fábula política” que se vale da estrutura do suspense para debater as questões do autoritarismo de uma maneira mais sutil e instigante, distanciando-se do formato didático de um documentário.

Embora a trama principal seja ficcional, o filme está firmemente enraizado na realidade histórica e social do Brasil de 1977. Os elementos reais fornecem a base para o medo e a tensão da obra:
A repressão da Ditadura Militar
O cenário de 1977 estabelece imediatamente um período de repressão, censura e perseguição política. A trama é permeada por uma intensa desconfiança generalizada que define o cotidiano. Mesmo que o termo “Ditadura” não seja explicitamente citado, o clima da época é o verdadeiro motor e pano de fundo da narrativa.
Vigilância e Aparelhos de Espionagem
A paranoia vivida pelo protagonista, Marcelo, é um espelho do medo real da população. O filme recria a atuação de órgãos como o Serviço Nacional de Informações (SNI), expondo as práticas de escutas clandestinas, vigilância e a manutenção de arquivos secretos para monitorar cidadãos.

Apagamento de Memórias e Identidades
O filme reflete sobre o apagamento histórico e a manipulação da memória promovidos pelo regime. Cenas envolvendo arquivos e o final enigmático sugerem a destruição de identidades e fatos — o que foi “tirado da história” durante o período autoritário.
Metáforas Simbólicas e Lenda Urbana
A Perna Cabeluda: A lenda urbana de Recife é usada como uma poderosa metáfora narrativa. A perna, misteriosa e sem corpo, simboliza o poder do Estado repressivo: uma força anônima, sem rosto e aterrorizante que pune e persegue sem precisar se identificar.
Indiferença e Descarte: Elementos visuais como o corpo ignorado (no posto) e a perna não-identificada (no tubarão) citam a indiferença e o descarte brutal com que os desaparecimentos e as mortes sob o regime eram tratados publicamente.
RECEPÇÃO DA CRÍTICA E DO PÚBLICO
O filme têm sido aclamado pela crítica internacional e nacional, com uma recepção extremamente positiva em grandes festivais.
Rotten Tomatoes: 100% de aprovação em 72 avaliações dos críticos.
IMDb: 8,0/10 de 4,4 mil avaliações.
Letterboxd: 3,9/5 (estrelas) de 84 mil avaliações.
ANÁLISE PESSOAL
O filme consagra Kleber Mendonça Filho, usando o suspense com elementos de filme policial sombrio (o neo-noir) para explorar o terror do autoritarismo de uma forma que senti ser visceral, e não apenas didática. A direção e o roteiro são um triunfo de tensão controlada: Kleber Mendonça Filho constrói a paranoia de Marcelo de maneira tão gradual que você sente o medo crescer junto com ele.
A claustrofobia dos apartamentos de Recife e a forma como as cenas são montadas sugerem o perigo, tornando a ameaça invisível incrivelmente mais aterrorizante. O roteiro é brilhante ao empregar a Ditadura Militar como uma “trilha sonora oculta” do medo, manifestando a repressão no cotidiano. A Lenda da Perna Cabeluda, inclusive, é uma sacada genial, servindo como uma metáfora perfeita para aquele poder estatal anônimo e punitivo.

Wagner Moura entrega uma das atuações mais poderosas de sua carreira. Ele domina a quietude e a fragilidade de Marcelo; você vê o homem exausto pela paranoia em seus olhos e em seu corpo. Seu trabalho tem uma precisão notável, muito diferente de performances mais explosivas, comunicando vulnerabilidade de forma intensa.
O elenco de apoio é crucial para o clima de desconfiança. Enquanto Maria Fernanda Cândido e Gabriel Leone adicionam intriga, a atriz Tânia Maria (Dona Sebastiana) é um achado: o pilar moral e humano da história. É emocionante vê-la, descoberta após os 70 anos (após ter sido figurante em Bacurau), brilhar como a proprietária acolhedora. Com uma naturalidade espontânea e carisma imediato, ela rouba a cena e traz um calor humano que é essencial para aliviar o drama opressor, sendo merecidamente citada como potencial candidata a prêmios internacionais.

A fotografia de Evgenia Alexandrova é essencial, reforçando o clima sombrio com paletas escuras e fortes contrastes. Isso transforma o que deveria ser o refúgio de Marcelo em uma armadilha sufocante.
O filme vai além do drama histórico ao fazer do medo da Ditadura um personagem ativo. Ao invés de violência explícita, ele se concentra no terror psicológico da incerteza e na perda da confiança social. Por isso, “O Agente Secreto” é mais do que um exercício de memória: é uma reflexão atemporal sobre vigilância e paranoia que ressoa profundamente hoje. É um filme potente, visualmente sofisticado e emocionalmente desgastante – o cinema brasileiro em seu melhor momento.









