Por Cristiano Porfírio

Expandir um universo consagrado sem se perder no próprio legado é um desafio que poucas produções enfrentam com coragem. Alien: Earth, criada por Noah Hawley para a FX, encara essa missão de frente ao situar sua narrativa em 2120, dois anos antes dos eventos do filme original de 1979. O resultado é uma série que provoca, instiga e divide opiniões — e, justamente por isso, merece ser debatida com atenção.

A série estrutura-se sobre dois eixos principais: a chegada da nave Maginot à Terra, carregada com organismos alienígenas, e a disputa clandestina entre conglomerados corporativos por supremacia biotecnológica. Ao trazer a ameaça xenomorfa para o nosso planeta, Hawley rompe a barreira espacial e insere o horror no quintal da humanidade, aproximando-o do espectador de forma inquietante.

Esse deslocamento espacial muda radicalmente o jogo: a sensação de isolamento característica dos filmes anteriores ganha novas camadas, agora atravessadas por questões de controle social, espionagem corporativa e manipulação de corpos — sintéticos, híbridos ou humanos.

Alien: Earth acerta em cheio quando aposta no suspense contido. Os corredores escuros, a iluminação mínima e os ângulos claustrofóbicos remetem diretamente ao terror original. Porém, há momentos em que a tensão meticulosamente construída é atropelada por explosões de ação abrupta, quebrando o ritmo que o horror exige.

Um exemplo emblemático ocorre no quinto episódio: ao desacelerar o enredo e concentrar-se em uma única linha narrativa, a série atinge seu ápice atmosférico. É quando Alien: Earth respira que seu terror verdadeiramente floresce — revelando que, se confiasse mais no silêncio e menos no espetáculo, poderia alcançar um impacto ainda maior.

Preciso citar um dos dilemas da produção: o ritmo acelerado da narrativa muitas vezes sacrifica o desenvolvimento emocional dos protagonistas. Há bons personagens — Wendy, vivida por Sydney Chandler, é um deles —, mas a série tende a usá-los como peças dentro de uma engrenagem maior, sem mergulhar plenamente em suas motivações.

Quando a história permite pausas, no entanto, percebemos a força que Alien: Earth poderia alcançar com mais equilíbrio entre ação e intimidade dramática.

O universo visual da série é um espetáculo por si só. A estética futurista flerta com o cyberpunk — fios expostos, estruturas metálicas e luzes de neon — contrastando com o horror orgânico e pulsante das criaturas alienígenas. A integração entre efeitos práticos e digitais oscila: em algumas cenas, cria momentos memoráveis; em outras, entrega o que parece ser um orçamento desigual.

Os novos designs de criaturas são interessantes, ainda que não superem o impacto icônico dos facehuggers e xenomorfos clássicos. Há inventividade, mas também reverência ao que veio antes.

A rivalidade entre Prodigy e Weyland-Yutani adiciona uma camada política e tecnológica ao lore da franquia. As discussões sobre consciência artificial e ética genética atravessam toda a narrativa, abrindo espaço para reflexões sobre transumanismo, manipulação de corpos e fronteiras borradas entre máquina e humanidade.

Aqui, a série brilha: ao invés de repetir fórmulas, busca expandi-las. O horror não está apenas nas criaturas, mas no espelho que a humanidade segura diante de si.

Trilha sonora — Rock que pulsa no caos

Um dos elementos que mais me surpreenderam em Alien: Earth foi a trilha sonora. A série combina um score original sombrio e industrial, composto por Jeff Russo, com uma seleção poderosa de clássicos do rock — nomes como Black Sabbath, Tool, Pearl Jam e The Smashing Pumpkins aparecem em momentos-chave, especialmente nos encerramentos de episódios.

Essas inserções não são meros adornos: funcionam como pulsos dramáticos, ampliando a tensão e dando peso emocional às viradas narrativas. Enquanto o score cria uma atmosfera opressiva e quase física — repleta de ecos metálicos, cordas distorcidas e ruídos industriais —, o rock entra como um soco no estômago, uma catarse ruidosa que ecoa a fúria humana diante do inevitável.

Para mim, essa escolha sonora tem personalidade: não agrada por ser óbvia, mas por arriscar. Em certos episódios, a música parece gritar junto com os personagens — e eu grito junto, tomado por aquela energia visceral que só o bom rock consegue evocar. É uma trilha que não apenas acompanha a série… ela a invade, como um xenomorfo sonoro.

Curiosidades que enriquecem a experiência

  • O comportamento dos alienígenas é mostrado como quimicamente conectado ao medo humano: impulsos elétricos e adrenalina funcionam como uma espécie de “isca biológica”.
  • Os híbridos humano-sintéticos foram concebidos para evocar traços infantis e frieza mecânica, desafiando os atores a um equilíbrio delicado entre vulnerabilidade e distanciamento.
  • A ambientação visual remete a clássicos do cyberpunk, mas sem abrir mão da identidade Alien.
  • A “ovelha do episódio 4” se tornou um fenômeno inesperado nas redes — um alívio bizarro em meio ao caos.
  • Sigourney Weaver, a eterna Ellen Ripley, elogiou publicamente a produção, destacando a maneira como ela atualiza os debates existenciais do universo Alien.
  • A primeira temporada conta com 8 episódios, lançados originalmente pela FX/Hulu e distribuídos globalmente pela Disney+.

Conclusão

Alien: Earth é uma experiência ambiciosa. Como fã da franquia, reconheço as falhas — ritmo desigual, personagens subexplorados, ação que por vezes atropela a tensão. Mas também reconheço sua ousadia: ao invés de apenas repetir fórmulas, ela expande o universo com ideias novas, tensiona limites éticos e coloca a humanidade frente a frente com seus monstros — internos e externos.

Há momentos em que a série parece gritar demais quando poderia sussurrar. Mas, quando sussurra, é arrepiante. E é nesses instantes que percebo por que a franquia Alien continua a nos assombrar: não é só sobre monstros espaciais, é sobre o que eles revelam sobre nós.

Nota : 8/10 — Uma expansão instigante, imperfeita e necessária de um universo que continua a provocar e fascinar.