A terceira temporada da antologia Monster, da Netflix, mergulha na mente perturbada de Ed Gein — o infame “açougueiro de Plainfield” que inspirou alguns dos maiores clássicos do cinema de terror. Monster: A História de Ed Gein chega ao streaming cercada de grandes expectativas, especialmente após o fenômeno que foi a primeira temporada sobre Jeffrey Dahmer. Contudo, a produção de Ryan Murphy e Ian Brennan revela-se uma obra contraditória, que oscila entre momentos de brilhantismo cinematográfico e escorregões narrativos significativos.

Charlie Hunnam Entrega Sua Melhor Performance

Charlie Hunnam surpreende ao abraçar completamente a complexidade psicológica de Ed Gein. Sua transformação física é notável — o ator emagreceu consideravelmente para capturar a fragilidade do personagem. O que mais impressiona é sua escolha vocal: baseando-se em gravações raras de entrevistas com o verdadeiro Gein, Hunnam desenvolveu um timbre perturbadoramente infantil que ecoa a relação tóxica com a mãe dominadora.

Laurie Metcalf oferece um contraponto perfeito como Augusta Gein. Sua interpretação da matriarca religiosa e controladora estabelece o tom psicológico da obra, embora seja subutilizada após o primeiro episódio. A química entre os dois atores sustenta os momentos mais intensos da produção.

Excelência Visual e Decisões Narrativas Questionáveis

Do ponto de vista estético, Monster: A História de Ed Gein exibe um refinamento técnico considerável. A paleta de cores privilegia tons esverdeados que reforçam a atmosfera de decadência, criando um ambiente opressivo que espelha o isolamento rural do Wisconsin nos anos 1950. Max Winkler, responsável pela direção de seis dos oito episódios, mantém uma coerência visual que figura entre as principais virtudes da temporada.

Entretanto, é justamente na construção do roteiro que a série tropeça. Murphy e Brennan fazem alterações históricas desnecessárias, criando elementos ficcionais que jamais ocorreram e transformando Ed Gein em uma figura mais dramática do que a realidade documentada. Entre as distorções mais notáveis estão:

  • A alegada participação de Gein na morte de seu irmão Henry, oficialmente considerada acidental.
  • Um romance inventado com Adeline Watkins, que historicamente era apenas uma conhecida superficial.
  • Sequências bizarras envolvendo prisioneiros de campos de concentração perseguindo Gein em sua propriedade.
  • Conexões artificiais com outros criminosos famosos, como Ted Bundy.

Essas invenções não apenas comprometem a veracidade histórica, mas também diluem o impacto psicológico da verdadeira narrativa de Ed Gein. Sua história real já possuía elementos perturbadores suficientes sem a necessidade de dramatizações exageradas.

Meta-Análise Pretensiosa Que Não Convence

A produção tenta estabelecer uma reflexão intelectual sobre nossa obsessão cultural com o true crime. Murphy e Brennan alegam que a série “espelha nossos próprios voyeurismos”, questionando o consumo desse tipo de entretenimento. Contudo, essa pretensão filosófica soa artificial e superficial, principalmente quando a própria obra sensacionaliza exatamente os crimes que pretende analisar criticamente.

O uso excessivo da palavra “monstro” em praticamente todos os episódios evidencia uma falta de sutileza narrativa que prejudica qualquer tentativa de análise psicológica genuína. Em vez de provocar reflexão autêntica, a série cai na mesma armadilha que critica: explorar o horror como espetáculo.

Divergências em Relação às Temporadas Anteriores

Diferentemente das temporadas focadas em Dahmer e nos irmãos Menendez — que mantinham maior proximidade com fatos documentados —, esta terceira temporada se perde em fantasias que desviam o foco da verdadeira tragédia humana.

A primeira foi reconhecida pela precisão factual e pelo retrato respeitoso das vítimas; a segunda, mesmo controversa, ainda preservava certo equilíbrio. Já esta terceira parece mais interessada em criar sensacionalismo do que em explorar genuinamente a psicologia de Ed Gein.

Legado Cultural Negligenciado

Ironicamente, a série acerta ao reconhecer a influência monumental de Ed Gein na cultura popular. Seus crimes inspiraram personagens icônicos como Norman Bates (Psicose), Leatherface (O Massacre da Serra Elétrica) e Buffalo Bill (O Silêncio dos Inocentes). Essa conexão fascinante entre crime real e ficção cinematográfica poderia ter sido desenvolvida de forma mais inteligente, mas acaba sendo tratada superficialmente por meio de episódios que intercalam a narrativa principal com referências visuais aos filmes.

Avaliação Final

Monster: A História de Ed Gein representa uma oportunidade perdida. Com uma interpretação central impressionante de Charlie Hunnam, direção de fotografia impecável e um tema intrinsecamente fascinante, a temporada possuía todos os elementos para ser memorável. No entanto, as liberdades criativas excessivas, a tentativa forçada de meta-comentário social e a narrativa inconsistente transformam o que poderia ter sido uma exploração psicológica profunda em um espetáculo sensacionalista — que desrespeita tanto a história documentada quanto a inteligência do público.

A terceira temporada de Monster confirma que Ryan Murphy, apesar de sua inquestionável habilidade visual, ainda luta para equilibrar entretenimento e responsabilidade histórica no gênero true crime.

Para os seguidores da franquia, resta a esperança de que a quarta temporada, centrada em Lizzie Borden, aprenda com os equívocos desta e retorne à abordagem mais equilibrada que tornou a primeira um fenômeno cultural.

Avaliação: 6,5/10 — Visualmente impressionante e bem interpretada, mas prejudicada por escolhas narrativas questionáveis que comprometem sua eficácia tanto como entretenimento quanto como documento histórico.