Acaba de chegar aos cinemas brasileiros “A Longa Marcha”, adaptação do romance publicado por Stephen King, em 1979, sob o pseudônimo Richard Bachman. Dirigido por Francis Lawrence (Jogos Vorazes), o longa de 1h48 propõe uma experiência tão física quanto psicológica: em um futuro distópico, jovens precisam caminhar sem parar e quem reduzir a velocidade é eliminado. Apenas um chegará ao fim.

A obra de King é frequentemente lembrada pelo terror sobrenatural, mas “A Longa Marcha” resgata outra faceta do escritor: a análise inclemente do comportamento humano quando colocado sob pressão. É a mesma pulsação de títulos como A Zona Morta, Conta Comigo e O Sobrevivente, em que o horror nasce menos de monstros e mais das escolhas morais — ou da ausência delas.

O filme é desconfortável por conceito e por forma. A fotografia granulada e quase áspera, somada a efeitos sonoros que arranham o ouvido, amplifica a sensação de cansaço físico e mental. Ao longo de sua jornada, a narrativa toca em feridas profundas: distopia política, fome, assassinato, autoextermínio e bullying, mas sem recorrer a excesso de gore. A violência está lá, mas a maior ferida vem da tensão constante e da inevitabilidade da morte.

E é impossível não perceber como a história ecoa o mundo atual. A longa marcha daqueles jovens funciona como uma analogia do nosso cotidiano, em que todos — em graus diferentes — nos tornamos reféns de imposições e pressões: a corrida interminável para pagar contas, sustentar padrões, competir em um mercado que cobra produtividade sem pausas. King parece lembrar que, mesmo sem fuzis apontados, seguimos marchando, muitas vezes sem saber para onde.

A direção de Francis Lawrence é um acerto notável. Sua experiência em equilibrar ação, suspense e intimidade — tão visível na franquia Jogos Vorazes — garante que um filme centrado em uma marcha aparentemente repetitiva nunca caia na monotonia. Cada quilômetro percorrido carrega suspense palpável, fazendo o espectador sentir o peso de cada passo.

Com um elenco jovem convincente e um clima que alterna contemplação e desespero, “A Longa Marcha” se revela um thriller existencial: não apenas sobre quem chega ao fim, mas sobre o que cada um perde para continuar caminhando.