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Crédito da foto: Natt Stjern (Reprodução de Facebook)

Olá!
Certos acontecimentos na vida cultural de uma pessoa são fáceis de identificar como marcos históricos. Cada um de nós tem uma história de vida que faz com que saibamos exatamente sentir, no arrepio da pele e no coração entre feliz e descompassado, a importância de um filme, show, espetáculo em nossas vidas.

Eu poderia direcionar minha colaboração de hoje para essa vertente, ao falar sobre o Iron Maiden em Fortaleza. Afinal, é minha segunda banda de metal preferida (a primeira é o Accept). Mas isso seria um tanto egoísta e sem graça… somente colocar vocês a par de minhas emoções. Optei, então, por um viés mais amplo, no qual, claro, não deixarei de passar algumas alegrias minhas.

Os leitores do Sudeste e Sul do país estão acostumados a grandes atrações do rock, pop e metal. Fortaleza, para quem não conhece na intimidade, não é o que podemos chamar de uma cidade roqueira. Apesar de ter notáveis contribuições para o rock mais underground nos últimos anos, com bandas que fazem sucesso mais fora do que dentro da cidade, como Plastique Noir (ainda pretendo fazer uma matéria sobre eles aqui), Mafalda Morfina, Selvagens à Procura da Lei e Arsenic (que chegou a ganhar destaque num desses programas de caça-talentos), esta cidade é dada a ritmos mais populares, como forró, axé, sertanejo (universitário ou não).

Sem entrar no mérito dos ritmos acima, basta dizermos que a popularidade das quatro bandas por mim citadas não faz cócegas na sola do pé do senhor Wesley Safadão (que horror! – desculpem, não resisti). E, evidentemente, nós roqueiros vivemos cercados por ritmos regionais, ansiando por boas atrações de rock’n’roll. Em se tratando de rock nacional, muita coisa melhorou depois do advento do Ceará Music. Um festival num hotel da cidade que reuniu e congregou a galera fã de muita gente boa da terra brasilis, entre 2001 e 2012. Aconteceram alguns suspiros posteriores, mas nada comparado ao evento nesse período. Dentro desses anos todos, umas poucas atrações internacionais do rock vieram, com destaque para Evanescence e The Cult. E isso já nos últimos anos.

Fora desse evento, uma vez ou outra apareceu alguma coisa legal por aqui: A-ha, Deep Purple, Saxon, La Mano Negra (lááááá nos anos 90 – um dos melhores shows que vi por aqui), Offspring, recentemente o Maroon 5. E é por isso mesmo que o show do Iron Maiden foi um marco para nós aqui.

A “porta” foi aberta pelos “Sirs” Paul McCartney e Elton John. Em shows no Castelão, em anos anteriores, mostraram que há, sim, estrutura para grandes atrações na cidade. Porém, para o público mais fiel às guitarradas e baquetadas mais fortes, ainda faltava mais. Eu mesmo não tive sequer vontade de ir a esses shows, apesar de reconhecer o valor histórico de ambos.

O Iron Maiden virou um marco, pois foi a primeira banda do mais alto escalão do rock’n’roll que aqui veio para lançamento de turnê de novo trabalho, sem estar em fim de carreira (apesar da longevidade da banda parecer dizer o contrário). Fortaleza está definitivamente inserido no mapa de locais para atrações de primeiro nível aterrissarem (literalmente, como fez Dickinson e sua galera). E melhor: não vieram sozinhos. Acompanhem…

A primeira banda, dos britânicos The Raven Age, aqueceu bem o início da noite especial. Tudo bem, há um tecladinho chato pra caramba amarrando a base sonora, “tapando” os buracos da harmonia meio perdida, numa nítida tentativa de soar como um Iron mais “moderninho”. Além do mais, primeira banda sempre sofre pois, pra quem não sabe, ela é a “cobaia” para todos os testes de som da equipe técnica. Mas foram bem, ao final das contas. Têm futuro.

A seguir, sobem os americanos do Anthrax. Eu confesso não gostar de thrash metal. A não ser pelo Metallica (que, hoje, acho que nem pode ser mais categorizado como tal). Mas é inegável que os caras sabem comandar um show. Fizeram um set list matador, com todos os clássicos. Era impressionante ver as pessoas acompanhando Joey Belladonna a cada grito, a cada punho erguido em riste. Eu pude sentir, sem ter tanto prazer musical, o que os olhos poderiam ver e sentir: Fortaleza estava se tornando uma megalópole cultural, finalmente. Antes tarde que nunca.

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Fortaleza à espera do Iron. Foto por Roderic Szasz

E vem o Iron. Após a natural emoção de ver o palco pronto e o show começar, a primeira sensação foi de susto: Steve Harris levou um tombo homérico no palco. Ao vê-lo em pé de novo (e sem parar de tocar), a adrenalina ficou só pro conta das músicas, mesmo. Produção impecável, exceto pelo palco, que achei pequeno para uma banda como Iron, e porque foi recuado para a lateral, quando foi divulgado que ficaria no meio do campo, e isso a poucos dias do show, o que irritou muita gente, inclusive este que lhes escreve . A potência do som, incrível, embora com uma ou outra falha, esporádica e especialmente no microfone de Dickinson. E dava pra ver que não era ele, mas a aparelhagem, mesmo. Ao contrário, o cara é um monstro cantando, mesmo já tendo passado por um câncer de língua!! E corria, pulava (houve um momento em que ele se apoiou com as duas mãos numa caixa de som e jogou as duas pernas para o alto e para o lado – jurei que ele iria se espatifar no chão), nem parecia um cara praticamente sexagenário.

A energia da banda contaminou a plateia, óbvio. Meu único temor pré-show não se concretizou: a base do repertório, com pelo menos 40 por cento de músicas novas de “The book of Souls”, foi entoada a plenos pulmões pelo público. E quem não sabia cantar acompanhava com palmas, urrava. Ou permanecia boquiaberta, incrédula, em solos imensos, deliciosos. Era a catarses de uma cidade que tem um público não tão gigantesco, mas absolutamente fiel ao rock. Era o Dickinson gritando “Scream for me, Forrrtalezaaaaa” e a plateia berrando, como se respondesse: “Estamos no mundo rock’n’roll!!!”

As 26 mil pessoas (segundo o próprio Dickinson) viveram êxtase coletivo nos clássicos: The Trooper, Hallowed Be Thy Name, Fear of the Dark, The Number of The Beast. Era sacramentar, ali, que nossa cidade tem, sim, possibilidade para receber bandas desse porte. The Wasted Years fechou a apresentação, exatamente 1 hora e cinquenta e cinco minutos depois de iniciada e, importante, sem uma ocorrência negativa sequer registrada, até onde as pesquisas na internet me mostraram. E, descendo as escadarias do anel superior do estádio, de onde preferi ver os shows para ter a visão do público em geral, eu me percebi como a grande maioria deveria estar se sentindo então: com a sensação de ter presenciado um momento histórico para a cidade. Pelo menos, para o público de rock.

Entre os comentários entusiasmados, eu pude captar algumas citações que provam tudo sobre o que falei aqui: boatos (quase certos) de vindas próximas de Scorpions, Red Hot Chili Peppers… Que felicidade! Continuaremos a ser a “Terra do forró”, claro. Mas o livro das almas roqueiras da cidade tem outras páginas grandiosas a serem escritas… Amém!!