Neste caso, especificamente, o problema central e a polêmica ficaram por conta do seguinte comentário: “As chamadas”ditabrandas”, caso do Brasil entre 1964 e 1985, partiam de uma ruptura institucional e depois preservavam ou instituíam formas controladas de disputa política e acesso à Justiça”.O jornal quis dizer que a Ditadura Militar no Brasil foi branda. Tal afirmação é um absurdo e um desrespeito à aqueles que de uma forma ou de outra foram atingidos pela ditadura.
Pois bem. Já relatei aqui alguns fatos ocorridos durante o período através do artigo Modernidade Sim! Esculhambação Não! onde coloquei que a censura à produção cultural brasileira era imensa e que quanto à imprensa, só podia ser publicado aquilo que o regime queria. Quanto aos jornais que não beijavam a mão da ditadura, foram duramente perseguidos e fechados.
O golpe militar ocorreu em 1 de abril de 1964, e depôs um presidente democraticamente eleito, ou seja, pelo voto. Jango (João Goulart) era tido pelos Estados Unidos como um socialista, por manter boas relações com Moscou e reativar as ligações do Brasil com a China. O Regime Socialista estava em franca ascensão pelo planeta e aos olhos dos capitalistas maiores do nosso planeta, essas relações externas do nosso país eram vistas como um grande perigo para os interesses americanos.
Os ianques então, articularam por debaixo dos panos um golpe para depor o presidente brasileiro. O que lamentavelmente possibilitou a deposição do então Chefe de Estado do Brasil.
O Regime Militar colocava olheiros, pasmem nas ruas e escolas, à paisana. Nas ruas para se infiltrarem em grupos de três ou mais pessoas que estivesse conversando para verificar o que está sendo dito e nas escolas para verificar o que está sendo passado pelos professores aos alunos.Quem era pego falando mal do governo era preso e torturado.
Milhares de brasileiros, foram presos, torturados e mortos pelo regime de repressão. Tive a oportunidade de participar de um ciclo de palestras na Unb onde uma das palestrantes fez parte da resistência ao regime e participou também da Guerrilha do Araguaia fazendo parte do grupo de guerrilheiros comandado por Carlos Lamarca, umas das principais lideranças da resistência aos opressores e umas das minhas principais referências políticas. Naquela oportunidade, ela nos relatou que presenciou do interior de um avião uma pessoa que fazia parte da resistência ser jogada do aparelho, viva, quando o mesmo sobrevoava a selva amazônica.
Veio o AI-5 (Ato Institucional nº 5) da ditadura que proibiu as chamadas liberdades individuais, tais como livre associação partidária, filiação a sindicatos, o direito à greve e à livre expressão e a manifestações. Sindicatos foram fechados e os partidos de esquerda também. Pelo simples fato de emitir uma opinião contrária ao governo militar o cidadão já podia ser preso. As manifestações públicas passaram então a ser duramente reprimidas.
Vários políticos e artistas brasileiros por serem contrários ao regime foram exilados e tiveram seus mandatos cassados. Toda a produção cultural era controlada pelo Estado ditador.
Muitos dos mortos até hoje não tiveram seus corpos achados e à família não foi dada nem a chance de dar um enterro digno a seus parentes.
Reação Imediata
Uma forte reação ao artigo foi imediatamente construída. Muitos foram os e-mail’s de leitores e intelectuais chegaram à redação do jornal como protesto. Mais algo ainda mais estarrecedor estava por acontecer. Mesmo diante de todos os argumentos contrários aos colocados pela Folha, o referido jornal reafirmou suas colocações e ainda classificou a indignação dos intelectuais como “obviamente cínica e mentirosa”.
Na internet foi organizado um abaixo-assinado eletrônico que condenou o “estelionato semântico” do termo “ditabranda” e a agressão sem precedentes da Folha. O documento teve ampla repercussão e ganhou a adesão de diversas páginas e blogs alternativos da rede tendo o apoio de mais de 8.000 signatários entre os quais, celebridades como o sociólogo Antônio Cândido, o arquiteto Oscar Niemeyer e o cantor e compositor Chico Buarque.
Foi organizado um ato em frente à sede do jornal que contou com a presença de mais 500 pessoas entre professores, ativistas (militantes), ex-perseguidos políticos e parentes de desaparecidos mortos pelo governo ditatorial. Apenas durante a manifestação, o blog da jornalista Flávia Brites, que apoiou a mobilização contra a atitude equivocada do referido meio de comunicação, registrou um cálculo expressivo de mais de 60.000 acessos e mais de 100 outros blogs agregados apenas a partir do termo ditabranda.
De onde Nasceu o Artigo?
Como eu costumo dizer, na política nada acontece por acaso. Tudo têm uma razão de ser e de acontecer. O citado meio de comunicação apoiou fortemente a Ditadura Militar, a tal ponto que cedia seus carros que utilizava para transporte de seus exemplares de jornal para o transporte de presos políticos pelos organismos da repressão.
No dia 22 de setembro de 1971, a Folha publica um artigo criticando os movimentos de resistência ao mesmo com os seguintes dizeres: “… quando um governo sério, responsável, respeitável, e com indiscutível apoio popular, está levando o Brasil pelos seguros caminhos do desenvolvimento com justiça social, realidade que nenhum brasileiro lúcido pode negar, e que o mundo todo reconhece e proclama”.
Em julho de 1969, a Folha da Tarde foi entregue a Antônio Aggio Jr., ex-diretor do jornal Cidade de Santos, um homem ligado a Carlos Caldeira Filho, um dos donos da Folha de São Paulo na época. Aggio era um repórter policial e trouxe para trabalhar com ele Horley Antônio Destro e Carlos Dias Torres, todos com fortes vínculos com o aparelho do Estado, segundo a revista Caros Amigos.
A Folha da Tarde passou a publicar editoriais que faziam apologia à ditadura e que condenavam as ações armadas dos grupos de resistência, classificando-os como terroristas e inimigos do povo. Quando Lamarca foi morto pelos militares no sertão baiano, em 1971, a Folha da Tarde comemorou. No dia seguinte, estampava: “Morto bandido Lamarca”. Freqüentemente, presos políticos assassinados apareciam na imprensa como vítimas de atropelamento ou mortos em tiroteios com policiais. O que muitos tem hoje como manchetes manipuladas para se maquiar a verdade sobre estas mortes.
Na mesma época, Carlos Caldeira Filho, foi indicado para o cargo de prefeito de Santos, como interventor nomeado pelos militares.
Ao deixar o Grupo Folhas, Aggio se tornou assessor de imprensa do futuro senador Romeu Tuma, um policial que inclui em seu currículo mais de 15 anos de serviço no DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), que tinha como objetivo, controlar e reprimir movimentos políticos e sociais contrários ao regime no poder, onde eram fichados, presos, torturados e muitas vezes mortos os oponentes que ansiavam por liberdade, apenas isso, liberdade.
Não sou nenhum doutor no assunto, mas gosto de política e sempre procuro ler e ver filmes sobre este triste período da nossa história. Portanto, não poderia jamais deixar de colocar aqui um texto em relação a esse infeliz artigo da Folha de São Paulo. Presto assim, uma singela homenagem a todos aqueles que lutam. Em especial aos que lutam contra toda e qualquer forma de opressão e em favor da liberdade. Sem esquecer, evidentemente, daqueles que pagaram com suas vidas para que hoje tivéssemos a liberdade de nos expressar sem corrermos os risco de qualquer repressão.
No Responses to “Ditabranda? Pimenta nos Olhos dos Outros é Refresco”