Porta do quarto do hotel. A entrevista era para durar 30 minutos. Foram 3 horas no total.

Dia 20/07/2007. Sagüão do Hotel Meliá de Brasília. 10h da manhã. Bruno Gouveia, vocalista do Biquini Cavadão, concede entrevista à uma rede de televisão. O motivo era o cancelamento do show previsto para acontecer na noite anterior, no evento chamado Super Jam Session, devidamente coberto aqui, aqui e aqui.

Bruno, na noite anterior, fez o possível para o show acontecer. Aguardou, no local, o máximo possível. Falou, pelos auto-falantes, tentando acalmar o público presente do lado de fora. Não foi o suficiente, mas Bruno não arredou o pé do local, mesmo depois de 5h de atraso e confusão.

Bruno Castro Gouveia é mineiro de Ituiutaba e lidera o Biquini Cavadão, banda que dispensa apresentações, mas destaca-se por ser uma das poucas do BRock 80 que conseguiu sobreviver aos anos 90 fazendo show. Vento Ventania, inclusive, foi a música mais tocada nas rádios de 92 (informação dada pelo prórpio Bruno). É muito complicado colocar uma lista de músicas clássicas do Biquini. Vem desde Tédio até Dani.

Meu 1º contato com Biquini se deu quando ouvi Zé Ninguém. Não me lembro o ano, nem a ocasião, mas é claro em minhas obscuras memórias a imagem de Bruno com suspensório gritando “Eu sou do povo, eu sou um Zé Ninguém”. Daí, por conseqüencia, fui crescendo e ouvindo sempre as músicas que tocavam na rádio. Fui ter um maior contato depois que um colega de faculdade me indicou o álbum “O melhor do Biquini Cavadão”. Covardia! É muito fácil gostar de Biquini ouvindo um set-list contendo Vento Ventania, Tédio, Zé Ninguém, Timidez, Múmias, 1/4, Domingo, Ida e Volta, Impossível, No mundo da lua, Arcos, Teoria, Meu Reino e Cai água, Cai Barraco. É como começar a gostar de Titãs por ouvir Cabeça Dinossauro ou Que país é este da Legião. Sei que é uma coletânea, mas é perfeita.

O primeiro show que vi foi o do Rock in Rio. Foram praticamente 3 anos de espera. Não podia ter começado melhor. O show, apenas um aperitivo da turnê do álbum 80, foi o mais vibrante e, para mim, um dos destaques do festival, ao lado da Plebe Rude, do Tom Zé e do Branco Melo.

Lobato e Lobato

Voltando ao sagüão do hotel, depois da entrevista e de um breve encontro com a trupe d´O Rappa, Bruno nos convida para realizar a entrevista no quarto (sem gracinhas…). “Vamos fazer a entrevista em meia-hora porque tenho algumas coisas pra fazer e hoje é casamento do Phillipe (Seabra, Plebe Rude)”. Subimos 10h. Descemos 13h. É impossível conversar apenas meia-hora com o sujeito. Bruno, além da competência em cima dos palcos, é um ser-humano na mais ampla definição que isso pode gerar. Engraçado, contundente, muito inteligente, sagaz e, principalmente, inquieto.

Inquieto porque consegue embasar qualquer resposta e concatenar com diversas idéias que parecem viajar numa velocidade incalculável dentro de sua mente, visando ser claro em suas colocações. Consegue relacionar South Park com política brasileira, geografia política com insônia. É um rockstar e, acima de tudo, simples e autêntico. Engraçado e indignado. “A platéia grita Zé Ninguém durante os shows com a mesma intensidade de alegria e raiva.”

Respondeu à todas as perguntas feitas. Seu relacionamento com os amigos de banda. A admiração pela competência de Álvaro Birita em compor. “Álvaro é um ogro na melhor concepção da palavra. Meu Reino, Teoria e Impossível são composições dele… É um gênio”.

Ao perguntar o que ouvia em seu I-pod, foi sucinto: “Confere aí…” E colocou o aparelho na mão do Cristiano Castor Troy. Uma rápida zapeada revelou: disco novo do Nenhum de Nós, disco novo do Brian May (Queen) e uma banda lá que eu não conheço mas fiz cara de bom entendedor pra não passar por muito idiota.

Perguntado sobre a evolução do público que o acompanha, foi muito tranquüilo: “Hoje, o nosso fã que é muito mais novo, tem dificuldade em reconhecer nosso grandes hits. Conseguem se identificar com as músicas novas. É natural. O fã antigo saiu da primeira fileira e foi um pocuo mais pra trás. Ele aproveita de maneira diferente. O cara amadurece, muda as prioridades e acaba mudando sua concepção. Ele saiu de um ao vivo com muita guitarra e prefere ouvir o acústico, mas não porque ele parou de gostar de rock, mas imagina o seu dentista cantando enquanto faz o seu tratamento: ATÉ QUANDO ESPERAR, A PLEBE AJOELHAR!! Não tem como… o Capital se adaptou a isso. Se ficou ruim, não cabe a mim julgar.” Bem Bruno, eu julgo por ti: antes o Capital era muito melhor.

Bruno estava alergre, ansioso pelo lançamento do disco novo, Só quem sonha acordado vê o sol nascer, que estava previsto pra lançamento dois meses depois daquela data. Mostrou, como um pai que apresenta um filho recém-nascido, as primeiras gravações da música e por conseguinte sabíamos que ia ser um discão!

Ao ser perguntado se gravaria um acústico, foi lacônico: “Sem dúvidas! É um formato que, quando bem feito, me agrada.” Comentou sobre os acústicos brasileiros: “O do Gilberto Gil é muito bom. O do Titãs serviu pra mostrar que uma banda de rock podia vender mais de um milhão de cópias, mas foi um último suspiro, do tipo: vamos convidar fulano, beltrano e ciclano para abençoar, mas mesmo assim é muito bom. Só não faria a continuação, o Volume Dois, apesar que os Titãs acertaram no nome do álbum. Aquilo é para ser ouvido no volume dois do rádio”. Quando falamos do álbum 80, ele falou que gostava muito do repertório, mas que queria ter gravado a canção Aluga-se, de Raul Seixas. Não gravou porque na mesma época os Titãs gravaram em “As dez mais”. Pensamos numa versão 90 do 80. Ele foi categórico: “Com certeza teria Raimundos. E, eu gostaria de gravar Mulher de Fases. É perfeita a música.”

Bruno é quem coordena o site da banda. Se não for a primeira banda com site no Brasil, é uma das primeiras com certeza. Eles começaram em 1996. Pra quem não se lembra de 1996 ou não era nascido, a internet era à carvão, os computadores eram à carvão, as churrasqueiras eram à carvão e as carvoarias eram à carvão. Isso explica a íntima relação de Bruno com a grande rede. Bruno mostrou-se profundo conhecedor de sites, blogs e do cotidiano virtual.

Enfim, o arquivo com o áudio da entrevista padeceu, mas da memória não sai a figura única de Bruno. Um cara apaixonado por rock. Pra mim, um fã, foram 3 horas mágicas (eu sei que é piegas e boiola, mas foram). A admiração só aumentou. Bruno, obrigado.

Abraços,

Farinha
Lobato, Bruno e um desconhecido.
PS: Bruno, caso você leia esse texto, duas coisas: o episódio de South Park que comentamos era o que mostrava o africano adotado chamado Starvin Marvin e desculpa-pela-demora-foi-mal-mesmo.